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O buldogue de Darwin — Thomas H. Huxley

por russell Grigg
traduzido por Luis Jervell

wikipedia.orgCharles Darwin
Charles Darwin

Charles Darwin tinha pouco tempo para as polémicas científicas, teológicas e morais suscitadas pela publicação da sua “Origem das Espécies” em 1859. O mesmo não se pode dizer de Thomas Henry Huxley (1825–1895), que se lançou na refrega, chegando mesmo a alcunhar-se de “buldogue de Darwin”.1

Darwin chamava-lhe “o meu bom e simpático agente para a propagação do Evangelho — isto é, o Evangelho do diabo”.2

Foi Huxley, não Darwin, que arrebatou e escandalizou o público na década de 1860 falando dos nossos antepassados símios e dos homens das cavernas. Londres revelava-se — desde os cardeais a Karl Marx — fascinada e atormentada pelas suas aulas brilhantes. “Operários barbudos com bolhas nas mãos afluíam às suas palestras sobre a nossa ancestralidade. Ele atraía o tipo de multidões que atualmente estão reservadas aos evangelistas ou às estrelas rock.”3

“Das suas provocações surgiu … a nova fé do Ocidente — o agnosticismo (ele cunhou a palavra).”3

Juventude e autoeducação

wikipedia.orgThomas H. Huxley
Thomas H. Huxley

Thomas nasceu na vila de Ealing, perto de Londres, em 1825, o sétimo dos oito filhos de Huxley. Negligenciado pelo pai, cresceu na pobreza, apenas com dois anos de escolaridade formal. Vivendo na miséria industrial da década de 1840, em que a igreja era um luxo dos ricos, Thomas procurou a redenção através da autoeducação.

Aos 12 anos leu a Teoria da Terra de James Hutton e teve o seu primeiro encontro com a geologia antibíblica. Leitor ávido de história, ciência e filosofia, ensinou-se a si próprio quase tudo o que sabia até entrar para a escola de medicina do Hospital de Charing Cross.4 Apresentou-se à 1.ª Parte do exame para o bacharelato em Medicina na Universidade de Londres, ganhando a medalha de ouro de anatomia e fisiologia, mas não compareceu à 2.ª Parte.5

Trabalhou depois como assistente do cirurgião (“colega do cirurgião”) a bordo do HMS Rattlesnake, numa viagem de estudo do oceano do sul (1846–1850). Embora Huxley não tivesse nenhum grau universitário formal,6 a publicação dos resultados da investigação sobre a estrutura de vários invertebrados marinhos obtidos nesta viagem garantiu-lhe a aceitação futura pela comunidade científica britânica.7 Em 1851, aos 25 anos, foi eleito Fellow da Royal Society (F.R.S.), que também lhe atribuiu a Medalha Real em 1852, um ano antes de Charles Darwin receber a mesma distinção.

Huxley e Darwin

Em novembro de 1859, Darwin publicou a Origem das Espécies. Vinha a adiar a publicação há cerca de vinte anos, “receando a execração como ateu”, mas tinha sido espicaçado para agir devido a uma carta que recebera no ano anterior de Alfred Russel Wallace, na qual Wallace tinha abordado a mesma ideia da “sobrevivência dos mais fortes” de Darwin.8

Embora Darwin tivesse o cuidado de não o dizer, a Origem significava em última análise que o homem não tinha sido criado, mas era simplesmente um símio desenvolvido. “Mas sem a promessa do Céu ou o medo do Inferno, por que é que devemos viver uma vida íntegra?”9 Darwin tivera esperança de evitar toda essa polémica. O mesmo não se pode dizer de Huxley, que antes escrevera a um colega: “Afinal, é tão respeitável ser um macaco modificado como poeira modificada”.10 Assim, Darwin precisava de um defensor tanto quanto Huxley precisava de uma causa, e não faltou muito para que Darwin se referisse a Huxley como o seu “apoiante mais caloroso e mais importante”,11 e “o meu bom e admirável agente para a promulgação de heresias condenáveis”.12

Relativamente às tentativas dos teólogos de dizerem que o Dilúvio foi apenas um acontecimento local, escreveu: “Uma criança consegue ver o disparate dessa afirmação.”

Huxley subscreveu de forma exuberante o naturalismo da evolução, embora, surpreendentemente, não o respetivo mecanismo. Discordou de Darwin sobre o ritmo da evolução. Por exemplo, Darwin excluiu toda a saltação ou “saltos”, fazendo com que Huxley lhe escrevesse: “Sobrecarregou-se com uma dificuldade desnecessária ao adotar’tão abertamente o princípio Natura non facit saltum [a natureza não dá saltos].”13 Huxley também discordava "da analogia entre a seleção artificial e a seleção natural, do hibridismo e da hipótese de pangénese de Darwin, ou seja, que o desenvolvimento de características de um dos pais passaria para os seus descendentes.”14

No entanto, toda esta ambivalência de Huxley não impediu a sua promoção fanática e agressiva da teoria de Darwin. Tal como comenta o professor de direito Phillip Johnson: “A fé no naturalismo evolutivo é o que une as diferentes fações de evolucionistas, não o acordo sobre quaisquer propostas científicas concretas.”15

O que motivou Huxley? A historiadora Prof.ª Gertrude Himmelfarb escreve: “Huxley foi o grande vingador. Furioso com o estatuto inferior dos cientistas em comparação com os clérigos, ele aguardava o momento em que pudesse pôr o calcanhar “nas suas bocas e ro-o-o-odá-lo no seu interior”. A “Origem” deu-lhe essa oportunidade.”16

Huxley e o evangelho

Huxley, embora não crente, estava totalmente familiarizado com o Evangelho e tinha pouca paciência para com os cristãos que transigiam a sua posição apoiando a crença antibíblica do naturalismo evolutivo. Escreveu:

“Tenho bastante dificuldade em compreender como é que alguém possa, por um momento, duvidar que a teologia cristã tem de resistir ou cair com a fidelidade histórica das Escrituras judaicas. A própria conceção do Messias, ou Cristo, está inextricavelmente interligada à história judaica; a identificação de Jesus de Nazaré com esse Messias assenta na interpretação de passagens das Escrituras hebraicas que não’têm valor de prova a não ser que possuam o caracter histórico que lhes está atribuído. Se a aliança com Abraão não foi feita; se a circuncisão e os sacrifícios não foram ordenados por Javé; se as ‘dez palavras’ não foram escritas pela mão de Deus nas’tábuas de pedra; se Abraão é mais ou menos um herói mítico, como Teseu; a história do Dilúvio uma ficção; a da Queda uma lenda; e a da criação o sonho de um vidente; se todas estas narrativas definitivas e detalhadas de acontecimentos aparentemente reais não’têm mais valor como história do que as histórias do período régio de Roma — o que dizer da doutrina messiânica, que é enunciada de uma forma muito menos clara? E o que dizer da autoridade dos escritores dos livros do Novo Testamento, que, com esta teoria, não só aceitaram simplesmente ficções vagas por verdades sólidas, mas também construíram as próprias bases do dogma cristão sobre areias movediças lendárias?”17

Huxley acrescentou que “a Universalidade do Dilúvio é reconhecida, não simplesmente como uma parte da história, mas como uma consequência necessária de alguns dos seus pormenores”.18 E em seguida, relativamente às tentativas dos teólogos de dizerem que o Dilúvio foi apenas um acontecimento local, escreveu: “Uma criança consegue ver o disparate dessa afirmação.” 19

‘Além disso, atrevo-me a perguntar que tipo de valor, como ilustração dos métodos de Deus para lidar com o pecado, tem um relato de um acontecimento que nunca sucedeu?

Prosseguiu:

“Quando Jesus disse, como de uma matéria de facto, que ‘veio o Dilúvio e os destruiu a todos’, ele acreditava que o Dilúvio tinha efetivamente acontecido ou não? Parece-me que, como a narrativa refere a mulher de Noé e as mulheres dos filhos, existe uma boa garantia das escrituras para a afirmação de que os antediluvianos casaram e foram dados em casamento; e eu pensaria que a afirmação de que comiam e bebiam seria admitida pelo crente mais firme na verdade literal da história. Além disso, atrevo-me a perguntar que tipo de valor, como ilustração dos métodos de Deus para lidar com o pecado, tem um relato de um acontecimento que nunca sucedeu? Se nenhum Dilúvio varreu as pessoas descuidadas, em que é que o aviso de dilúvio vale mais do que o grito de ‘Lobo’ quando não há nenhum lobo? Se a permanência de três dias de Jonas dentro da baleia não for uma ‘realidade admitida’, como é que pode ‘garantir a crença’ na ‘ressurreição futura’? … Suponhamos que um orador conservador avisa os seus ouvintes para estarem atentos a grandes mudanças políticas e sociais, não vão eles acabar, como em França, sob o domínio de um Robespierre; o que acontece, não só ao seu argumento mas também à sua veracidade, se ele, pessoalmente, não acreditar que Robespierre existiu e que fez as coisas que lhe são atribuídas?”20

Relativamente a Mateus 19:5 [“Não tendes lido que o Criador os fez desde o princípio homem e mulher, e que ordenou: Por isso deixará o homem pai e mãe, e unir-se-á a sua mulher; e serão os dois uma só carne?”], Huxley escreveu:

“Se a autoridade divina não é aqui reivindicada para o vigésimo quarto verso do segundo capítulo de Génesis, qual é o valor da linguagem? E uma vez mais, pergunto, se pudermos tratar de forma leviana a história da Queda como um ’tipo’ ou ‘alegoria’, o que sucede à base da teologia paulina?”21

E relativamente a 1 Coríntios 15:21–22 [“Porque, assim como por um homem veio a morte, também por um homem veio a ressurreição dos mortos. Pois como em ADão todos morrem, do mesmo modo em Cristo todos serão vivificados.”], Huxley escreveu:

“Se se considerar que ADão não é mais real como personagem do que Prometeus, e se a história da Queda não passa de um ‘tipo’ instrutivo, comparável ao mito profundo de Prometeus, qual é o valor da dialética de Paulo?”

Resumindo a posição dos teólogos que comprometeram as palavras da Bíblia, Huxley observou que “a posição que eles assumiram é desesperadamente insustentável”.

A morte de Darwin e a Abadia

Quando Darwin morreu, foi principalmente devido aos esforços de Huxley que ele foi sepultado, não na sua cidade natal de Downe, mas na Abadia de Westminster. Huxley e os seus amigos ateus coagiram o cónego Farrar da Abadia de Westminster, enquanto outros tentaram obter apoio na Câmara dos Comuns. Assim, o clero liberal, tão desprezado por Huxley pela sua disponibilidade para fazer compromissos, deu aos restos do agnóstico Darwin reconhecimento espiritual na Abadia.

Huxley faleceu 13 anos mais tarde. Houve quem sugerisse um funeral de estado na Abadia, mas, diga-se a seu favor, “Huxley tinha antecipado e afastado essa ideia”.22 Em vez disso, teve um funeral simples na sua vila, com a presença de alguns dos seus amigos científicos e ateus. Um deles deu a sua opinião auspiciosa de que a frase “quem não crer será condenado” — está reservada para as pessoas comuns; não se aplica aos Membros da Real Sociedade”.23

Qual é, atualmente, a relevância da vida de Huxley para nós?

Em 1981, a Academia Nacional de Ciências [EUA] resolveu que “a religião e a ciência são domínios separados e mutuamente exclusivos do pensamento humano cuja apresentação no mesmo contexto conduz a uma má compreensão tanto da teoria científica como da crença religiosa".15 O professor de direito Phillip Johnson comenta: “A vida de Thomas Huxley é a melhor resposta a este disparate. Na realidade, os cientistas (tal como as outras pessoas) estão obcecados com a questão de Deus e a ideia do naturalismo evolutivo é impedir o Pé Divino, e as pessoas que se aglomeram atrás dele, de entrarem para dentro da porta.”15

Comentários dos leitores

Mike J., Canadá, 27 de junho de 2012

“Afinal, é tão respeitável ser um macaco modificado como poeira modificada”.

-Huxley está a ignorar aqui um facto essencial; quem ou o que faz a modificação. Afinal, o homem tem de ser feito de qualquer coisa e portanto o que é importante não é aquilo de que ele é feito mas quem o fez.

Ou seja, é extremamente importante se o homem é um acidente do tempo e da física ou se é um ser feito por Deus (à imagem de Deus).


Sam H., Austrália, 11 de setembro de 2012

Olá creation.com, obrigado pelos vossos excelentes artigos. Acabei de descobrir uma coisa interessante, aparentemente Thomas Huxley colaborou na criação da revista científica “Nature” e participou na conceção do currículo educativo nos livros de biologia. Hmm, falem em fazer lavagens ao cérebro das pessoas.

Referências

  1. Não confundir com “Rottweiler de Darwin”, uma expressão inventada pelo teólogo de Oxford Alister McGrath, em referência a Richard Dawkins. Retornar.
  2. C. Darwin to T.H. Huxley, 8 August 1860. Life and Letters of Charles Darwin, Edited by Francis Darwin, 2:123–124, D. Appleton & Co., New York, 1911. Retornar.
  3. Desmond, A., Huxley: From Devil’s Disciple to Evolution’s High Priest, Addison-Wesley, Massachusetts, USA, 1997, adapted from dust-cover and p. xvii. Retornar.
  4. ‘Na adolescência aprendeu por si mesmo alemão, eventualmente tornando-se fluente nesta língua, e foi utilizado por Charles Darwin como tradutor de material científico em alemão.’ Thomas Henry Huxley, Wikipedia, en.wikipedia.org/wiki/Thomas_Henry_Huxley, 6 February 2008. Retornar.
  5. Ref. 3, pp. 34–35. Retornar.
  6. ‘Assim, as suas únicas qualificações académicas eram doutoramentos honorários – de Breslau, Edimburgo, Dublim, Cambridge, Würzburg, Oxford, Bolonha e Erlangen’ recebidos nos seus anos mais avançados.’ Encyclopaedia Britannica 6:179, 1995. Retornar.
  7. Dois artigos de Huxley foram publicados pela Sociedade Lineana e um pela Real Sociedade. Retornar.
  8. Ver Grigg, R., Alfred Russel Wallace: co-inventor of Darwinism, Creation 27(4):33–35, 2005. Retornar.
  9. Ref. 3, p. 266. Retornar.
  10. T.H. Huxley to Frederick Dyster, 30 January 1859, as quoted in ref. 3, p. 253. Retornar.
  11. Ref. 3, pp. 267. Retornar.
  12. C. Darwin to T.H. Huxley, 16 December 1859, More Letters of Charles Darwin, ed. Francis Darwin and A.C. Seward, John Murray, London, 1903, 1:131, Letter 85, as quoted in darwin-online.org.uk/content/frameset?itemID=F1548.1&viewtype=text&pageseq=1, 12 March 2008. Retornar.
  13. T. H. Huxley to C. Darwin, Nov. 23, 1859. Ref. 2, pp. 26–27. Retornar.
  14. Blinderman, C. and Joyce, D., The Huxley File, #4 Darwin’s Bulldog, aleph0.clarku.edu/huxley/guide4.html, 12 March 2008. Retornar.
  15. Johnson, P.E., Thomas Huxley, A Pioneer in a Still-Raging Scientific Debate, Washington Times, 4 January 1998, p. B8. Retornar.
  16. Ernle, Quarterly Review, ccxxxix, (1923), 224, as quoted by Himmelfarb, G., Darwin and the Darwinian Revolution, Chatto &Windus, London, p. 217, 1959. Retornar.
  17. Huxley, T., Science and Hebrew Tradition, Vol. 4 of Huxley’s Collected Essays, ‘The Lights of the Church and the Light of Science’, (1890), pp. 207–208, aleph0.clarku.edu/huxley/CE4/Lights.html, 18 March 2008. Retornar.
  18. Ref. 17, p. 214. Retornar.
  19. Ref. 17, p. 225. Retornar.
  20. Ref. 17, pp. 232–233. Retornar.
  21. Ref. 17, pp. 235–236. Retornar.
  22. Ref. 3, p. 611. Retornar.
  23. Ref. 3, pp. 612–613. Retornar.